Semana epidemiológica 18: já ocorreu o pico da epidemia de Covid-19 no Brasil?

Eduardo Mota

Na semana epidemiológica número 18, que se encerrou no dia 2 de maio, o número acumulado de casos notificados de Covid-19 no Brasil alcançou 96.559, e o número acumulado de óbitos foi igual a 6.750. No dia 3 de maio, primeiro dia da semana 19, ocorreu o registro 4.588 casos novos e 275 novos óbitos, o que elevou as frequências acumuladas para 101.147 casos e 7.025 mortes pela doença (https://covid.saude.gov.br/).

Na semana que passou, foi registrado o maior número de casos confirmados desde o início da pandemia no nosso país. Foram 38.050 casos novos, 65% a mais do que o número acumulado até o final da semana precedente, ressalvada a subnotificação. O número de óbitos pela Covid-19, na mesma semana que findou, foi também o maior já registrado. Foram 2.734 novos óbitos, 68,1% a mais do que o registrado até a semana anterior.

Isto indica que entre os dias 26 de abril e 2 de maio, a expansão da epidemia se intensificou. Com efeito, foi nessa última semana que se registraram as maiores frequências diárias de novas notificações, como ocorreu em 30 de abril, com 7.218 casos, o maior número já notificado até hoje no país, em um único dia.

Atribui-se essa aceleração à forte expansão para os estados das regiões Norte e Nordeste. Porém, ocorreu expansão também em São Paulo e no Rio de Janeiro, estados que ainda detêm a marca do maior número acumulado de casos.

Assim, seis estados contribuíram mais que os demais para o aumento do número de casos na semana 18: São Paulo (29,4%), Rio de Janeiro (9,8%), Pernambuco (9,6%), Ceará (7,6%), Amazonas (6,4%) e Pará (4,9%). Juntos, eles responderam por 67,6% do total de casos novos registrados na semana 18. Este mesmo conjunto de estados registrou 82,3% do número de casos novos de óbito na mesma semana. Esses estados pertencem ao conjunto dos que já têm o maior número de casos acumulados.

Não foi somente isso que ocorreu mais recentemente com a epidemia de Covid-19. No Nordeste, os estados de Alagoas, Paraíba, Piauí e Sergipe e, no Norte, Rondônia, Acre e Tocantins dobraram o número de casos confirmados entre uma e outra semana, embora com número acumulado relativamente menor – menos de 1.400 casos desde o início da pandemia. Isto indica que a expansão do novo coronavírus se intensificou em praticamente todos os estados dessas regiões. Nota-se, por exemplo, que Maranhão e Bahia apresentaram mais de 1.200 casos novos em apenas uma semana, situação semelhante à do Espírito Santo.

Teria ocorrido o pico da pandemia de Covid-19 na semana 18? Uma pergunta que os estudos com projeções tentam responder, sob o entendimento que, passado esse momento, o número diário de casos começaria a diminuir, a partir do que se conhece sobre o que ocorreu em outros países. Entretanto, há evidências de que o pico da pandemia ainda não ocorreu. Talvez na próxima semana ou nas próximas duas semanas seja alcançado o limite de maior ritmo de expansão da doença no Brasil.

Isso porque, no geral, as medidas de isolamento social e de restrição de circulação de pessoas não têm se modificado expressivamente em todos os estados onde tem ocorrido maior expansão. E não têm sido tão efetivas quanto seria necessário. Na verdade, a proporção de população em isolamento social tem diminuído, como se observa em São Paulo.

Como resultado, a pressão sobre os serviços de saúde tem aumentado a níveis alarmantes, com elevada proporção de leitos de UTI ocupados, tudo que não se desejava que ocorresse. O isolamento social em níveis adequados diminui o ritmo de aumento do número de casos novos, possibilitando que todos que necessitem de assistência médica especializada de fato a obtenham, em tempo e qualidade oportunos. A temida saturação das unidades de UTI prenuncia aumento da mortalidade nos grupos de maior risco de complicações, como pessoas idosas e pessoas portadores de condições clínicas crônicas. Em outras palavras, o aumento do número de mortes evitáveis.

A projeção da evolução da epidemia no Painel da Rede CoVida (https://painel.covid19br.org/) prevê  que se alcance, no país, 180 mil casos acumulados em 11 de maio. Aproximadamente o dobro do número de casos que se registrou até o dia 2 de maio, o que aponta para uma expansão sustentada e relativamente rápida nos próximos dias e em níveis mais elevados do que o “achatamento da curva” que tanto se esperava que ocorresse.

Estudo com dados recentes do número de reprodução diário (Rt), publicado no Boletim da Rede CoVida (https://covid19br.org/main-site-covida/wp-content/uploads/2020/04/Boletim-4_Rede-CoVida_finall.pdf), indica que ainda ocorre franca expansão da epidemia no país, em que quase todos os estados apresentam valores de Rt maiores que 1, e a projeção de que na primeira semana de maio poderá ocorrer o dobro do número de casos já notificados, inclusive na Bahia. Com base nesses dados, se alerta que não é oportuno o relaxamento das medidas de isolamento e de restrição de circulação de pessoas.

Outra projeção, da organização Singapore University of Technology and Design (SUTD)Data-Driven Innovation Lab (https://ddi.sutd.edu.sg/), que se apresenta abaixo, prevê o pico da epidemia no Brasil para depois do dia 9 de maio. Porém, isso dependerá do que vai ocorrer nos próximos dias. Por exemplo, no dia 27 de abril, antes, portanto, de atingirmos mais de 7 mil casos/dia, a projeção (gráfico da esquerda) indicava que o pico da epidemia seria alcançado no final do mês de abril. A ocorrência de um número recorde de casos em 30 de abril modificou completamente a projeção da curva epidêmica (gráfico da direita).

 

 

É importante notar que, a prevalecer a situação atual, e se de fato ocorrer diminuição do ritmo de expansão, após o pico da pandemia, ainda seriam registrados 2 mil a 3 mil casos diários, embora em frequência decrescente a cada dia, situação que se prolongaria até o mês de junho.

Certamente, as projeções são úteis para acompanhar e prever a evolução da curva epidêmica, porém, a dinâmica própria da ocorrência da doença nos diversos focos no país e a possibilidade de expansão para outras áreas requerem que se examine diariamente a progressão da frequência de casos e óbitos e sua distribuição espacial em cada estado e região.

Ao ultrapassar a marca de 100 mil casos, o Brasil integra agora o pequeno conjunto de países que já registraram mais do que isso nesta pandemia: Espanha, Itália, Reino Unido, Alemanha e França, países que tem, atualmente, frequência diária de casos em descenso, e que tiveram o primeiro caso confirmado, em média, há 95 dias, e a Turquia, com o primeiro caso há 52 dias, e com curva em descenso, mas que apresenta ainda número elevado diário de casos. Seguem-se a Rússia, com primeiro caso há 92 dias, que ainda experimenta aumento diário e talvez não tenha alcançado o pico da pandemia, e os Estados Unidos, que é uma grave exceção, com primeiro caso há 103 dias e mais de 1,1 milhão de casos notificados, cuja curva epidêmica ainda não é de descenso evidente. O Brasil registrou o primeiro caso no dia 26 de fevereiro, há 67 dias, e, se a evolução da epidemia seguir o padrão dos países europeus, com isolamento social mantido, terá ainda pelo menos 30 a 45 dias de evolução para alcançar uma situação de controle, caso atinja o pico do número diário de casos nos próximos dias.

Reduzir o risco de mortes evitáveis por Covid-19, com assistência adequada a todos que dela necessitem, e assegurar as condições e medidas para isso são exigências do exercício de responsabilidade sanitária de gestores. A contribuição da população, permanecendo em isolamento social, irá contribuir muito. Ainda não há outra alternativa, considerando as dificuldades para implantar rapidamente um número maior de leitos hospitalares, com todo o equipamento necessário e os profissionais habilitados.

 

Eduardo Mota é epidemiologista e professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA.